Biografia...

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Sou natural de Bom Despacho-MG. (16-7-1935) Bacharel em Letras pela UFMG, com pós-graduação na área de Educação pela PUC de Minas Gerais, além de cursos de Extensão Universitária, em Brasília, na UnB, e na Universidade de Évora, Portugal. Professor e escritor, tenho vários livros publicados, em gêneros diversos: crônica, história, biografia, conto, ensaio.

quinta-feira, 31 de março de 2011

                       EM ASSIS, TERRA DE SÃO FRANCISCO

                                          Jacinto Guerra

Na Itália, depois da emoção de visitar Roma e a cidade do Vaticano, nosso destino é a pequena Assis, na Úmbria, onde nasceu São Francisco, uma das figuras mais notáveis que o mundo já conheceu. Fizemos a viagem de trem, alcançando o centro da Itália, depois de atravessar a Úmbria com toda a beleza de suas paisagens, enriquecidas com o rio Tibre, na planície, e os montes Apeninos na linha do horizonte.  

Se todos os caminhos levam a Roma, em Assis todas as ruas nos levam ao coração espiritual da cidade: a Basílica de São Francisco, um complexo de duas igrejas e uma cripta, onde se encontra o túmulo de um dos santos mais queridos e venerados do mundo.  Quando chegamos à varanda da basílica, ouvimos um vozerio de pessoas alegres, falando o português do Brasil. Dizem que, viajando pelo mundo, é fácil encontrar um cearense. Ou muitos. Andamos rapidamente em direção às vozes brasileiras. Encontramos agradável surpresa: uma animada excursão de  um colégio de Fortaleza! 

A cidade de Assis foi fundada pelos etruscos e, mais tarde, conquistada pelos romanos, cuja presença histórica apresenta-se em monumentos como o templo de Minerva, além do Museu e Foro Romano. O templo fica na Praça do Município (sec. I a.C), onde se encontram  também, o Palácio do Capitão do Povo, do século XIII, o Palácio dos Priores e a Torre do Povo.

Ficamos surpreendidos com a beleza desta cidadezinha medieval, de ruas estreitas e casas muito antigas, feitas de pedra, embelezadas com flores nas janelas. Eram ruas e praças cheias de gente de todas as partes do mundo, jovens em sua enorme maioria, irradiando um clima de muita alegria.

A minha geração, que estudou um pouco de latim, não encontra dificuldades para entender o italiano, o que é gratificante na Itália, porque isso ajuda muito a melhor aproveitar a viagem. Ao embarcar em Roma para a viagem de duas horas até Assis, entramos imediatamente no trem. Amáveis, algumas pessoas perguntaram de onde éramos. Num português misturado com italiano, travamos agradável conversa com alguns passageiros. Nossa curiosidade levou-nos a fazer inúmeras perguntas. Eram solícitos em prestar informações ao casal de brasileiros. De repente, ao perceber que estávamos com os bilhetes da viagem na mão, uma senhora advertiu-nos, muito preocupada: – La maquineta! la maquineta!  como se estivéssemos cometendo uma falta muito grave. Para explicar melhor, gesticula mostrando que precisávamos descer, rapidamente, para resolver um problema. O pior é que a locomotiva estava na hora de sair. Desconhecíamos a obrigação de picotar o bilhete na maquineta instalada na plataforma da estação. Marido e mulher saíram rapidamente do comboio, alcançaram a maquineta, picotaram os bilhetes e voltaram correndo. Foi um alívio! Graças a São Francisco, Santa Clara e à simpática italiana seguimos viagem muito bem, obrigado.

Turistas de pouca experiência, entusiasmados com a paisagem e com as pessoas de outras culturas, precisam tomar cuidado para evitar algumas gafes que podem custar caro. Precisam ficar “sempre alerta”, como os escoteiros. Os descuidos podem ser desastrosos.

É um encanto esta viagem pelo interior da Itália, passando por antigas cidades e aldeias etruscas e romanas, com suas casas de pedra,  campanários, velhas igrejas e belos vinhedos. Entre elas, a pequena cidade de Cássia, onde viveu Santa Rita. Lembrei-me de minha mãe, dona Ester,  devota dessa santa italiana, cuja imagem sempre acompanhou-a em Moema, Bom Despacho, Belo Horizonte.

Já estávamos quase no fim da viagem. Depois de Spoleto, o trem para numa estação ao lado da cidade de Foligno. Vários padres e religiosas desceram a fim de, noutro carro, seguir viagem para Assis. Sem prestar muita atenção no roteiro da excursão, quase tomamos o caminho de Perugia, capital da Úmbria, rumo ao Norte da Itália... No entanto, como Deus é brasileiro, seguimos os padres e freiras, entramos numa passarela subterrânea e saímos, felizes, lá na frente, em Foligno, para continuar a viagem. Dizem que mineiro não perde trem, uai.

Situada numa encosta do Monte Subásio, Assis é toda cercada por uma muralha medieval. É um tabuleiro de estreitas e sinuosas ruas, que fazem do lugar um convite irresistível para agradáveis caminhadas. Em Assis, turistas e moradores andam sempre a pé, porque a cidade é pequena e pitoresca. O trânsito de veículos é muito limitado, para evitar danos ao patrimônio histórico. Ônibus de turismo e carros de não moradores ficam em estacionamentos especiais, fora das muralhas da cidade.

Filho de um rico comerciante, Francisco cresceu com todos os privilégios que tinha um jovem das elites da época.  Ao tomar contato com a miséria e os pobres de Assis, decidiu mudar o rumo de sua vida. E o fez de maneira radical. Na praça central da cidade, com a presença de expressiva multidão, Francisco renunciou ao nome e à fortuna da família   e até mesmo de suas roupas, que foram  devolvidas a seu pai. Com um voto de pobreza total, assumiu, a partir daquele dia, o compromisso de viver a serviço da caridade e dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Clara e Francisco eram namorados. Quando ele tomou a decisão de mudar de vida e fundar uma ordem religiosa, Clara resolveu seguir o seu exemplo e também dedicar sua vida à palavra de Deus. Fundou, então, uma instituição religiosa, hoje conhecida com Ordem de Santa Clara, enquanto a Ordem de São Francisco, também, consolidou-se na Igreja Católica.  A Basílica de Santa Clara, de estilo gótico-italiano, foi erguida no período 1257-1265 e possui notáveis elementos de arquitetura, como a rosácea e o portal. Em forma de cruz latina , o interior tem uma só nave. Na cripta, está conservado o corpo de Santa Clara.

Nos tempos de São Francisco, a Itália não existia como um país politicamente organizado em províncias e cidades. Florença, Perugia, Assis e outros lugares eram cidades-estado, independentes umas das outras e, muitas vezes, envolvidas em conflitos e lutas armadas.

Quando Francisco nasceu, o seu pai, Pedro Bernardone, estava na França em viagem de negócios. O menino foi, então, batizado com o nome de João. Ao voltar de viagem, o pai mudou o nome do filho para Francisco, em homenagem à França, país que ele muito amava e terra de dona Pica, sua esposa.

Os jovens daquele tempo, em cidades como Assis, eram fascinados em lutas e aventuras. Francisco e seus amigos de farras, festas e cantorias eram fãs das histórias do Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda. Aos vinte anos de idade, o filho de Pedro Bernardone orgulhava-se de ser um cavaleiro, um soldado. Francisco, então, foi lutar numa guerra entre Assis e Perugia, quando acabou sendo preso.

Depois de um ano atrás das grades, foi libertado e voltou para Assis. Como disse  frei Jorge Hartmann, autor de Francisco – o irmão sempre alegre, até aquela hora o filho de Pedro Bernardone ainda não tinha adquirido o gosto pelas coisas de Deus.  Depois, foi a grande transformação que impressiona o mundo inteiro, ultrapassando as próprias fronteiras da Igreja Católica. Tudo isto em razão do humanismo e da universalidade de sua mensagem, até hoje muito moderna, com sua preocupação com a natureza, as aves, os animais    com a vida, enfim, em toda em toda a sua plenitude.   

O grande segredo de Assis é a sua capacidade de evocar o passado e de viver momentos de intensa espiritualidade, que envolve a todos que  têm o privilégio de visitá-la. Com o Natal em Assis, a cidade lembra que São Francisco criou o primeiro presépio do mundo. Com isto, os presépios estão presentes nas igrejas, nas ruas e nas moradias do povo. Entre as comemorações religiosas, muito sugestivas em Assis, destacam-se as festas da Ressurreição, a procissão do Corpus Domini, com as ruas cobertas de tapetes de flores, a Festa do Perdão e, sobretudo, a Festa de São Francisco, que é o padroeiro da Itália.

Muito rico, também, é o calendário de arte e cultura da cidade, especialmente a “Primavera dArte”, com exposição de antiquários e arte contemporânea. A mais famosa manifestação turística de Assis é a Calendimaggio, quando, durante três noites, a cidade toda iluminada de archotes, parece voltar à Idade Média e aos tempos de Clara e Francisco. Para o turista mais interessado em arte e cultura, Assis orgulha-se de seus pequenos, mas importantes museus – e de suas ricas e preciosas bibliotecas. Para quem, além do interesse pelas coisas do espírito e da fé, é um amante da natureza, o silêncio dos bosques e a beleza que se contempla na montanha são atrações inesquecíveis.

Francisco era muito alegre, tinha muito bom humor. Certa noite de lua cheia, ele resolveu tocar o sino da igreja, pela noite adentro,  para celebrar a beleza da lua. O povo acordou sobressaltado e saiu para a rua, preocupado, pensando tratar-se de um sinal de alarme. E diante do povo – muitos homens de pijama e mulheres de camisola de dormir –, o futuro São Francisco foi se explicando, com muito bom humor: ‘Meus irmãos, como se pode dormir com um luar tão lindo assim?”.

Por tudo isto, agradecemos a Deus pela ventura de conhecer uma terra tão abençoada e de tanta beleza. Viajo, agora, no tempo e na geografia. As memórias de infância levaram-me a escrever a crônica Conversa de Andorinha, que tem como cenário a Lagoa da Prata, cidade brasileira tão pequena como a terra de São Francisco. Lá conheci e encantei-me com o primeiro presépio de minha vida.  E a personagem sai de um livro para outro:

         – Nós, andorinhas, somos irmãs de São Francisco. Dos santos e dos homens. Das outras aves do céu. Do ar. Dos ventos e das árvores. Contribuímos, com muito orgulho, para o equilíbrio do meio ambiente. Gostamos muito da água, nossa irmã. É voando que tomamos nosso banho.
Mergulhamos rapidamente na água e já – no outro instante     estamos no ar voando. Aliás, o poeta disse que voar é preciso.  

Voltamos à terra de São Francisco, depois desta viagem literária a Lagoa da Prata, em Minas Gerais, mas chegou a hora de embarcar para Roma, já no caminho de volta ao Brasil, passando em Portugal para, em Vila Verde,  falar com Nossa Senhora do Bom Despacho, e – em Fátima – agradecer as bênçãos que a mãe de Deus nos tem concedido ao longo da vida.

Para encerrar a viagem, vamos rezar com São Francisco de Assis:                    Senhor,  fazei de mim um instrumento de vossa paz;
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver discórdia, que eu leve a união
Onde houver duvida, que eu leve a fé.
Onde houver erros, que eu leve a verdade;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver desespero, que eu leve esperança;
Onde houver tristeza que eu leve a alegria;
Onde houver trevas que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei com eu procure mais consolar que ser consolado;
Compreender, que ser compreendido;
Amar, que ser amado;
Pois é dando que se recebe;
É perdoando que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

                                                                                        Fevereiro de 2010.
      
Em Assis, terra de São Francisco” é o texto de abertura do novo livro de Jacinto Guerra  – O Cavaleiro Andante – do Pacífico ao Mar Egeu, Viagens Mundo Afora  – (Thesaurus, Brasília, 2010), à venda nas principais livrarias e no www.thesaurus.com.br                

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